terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Penso, logo escrevo


Querido Maior Amigo,
Perdoe-me a demora, mas é que a tarde é fria, a bagunça é muita e o lápis não tem dado efeito. Perdoe-me essa mania de pôr a culpa em tudo menos em mim. Mas é que, tendo culpa ou não, esses caquinhos ajudam. Ou melhor, atrapalham. Até eu procurar o medo de me cortar com eles e jogá-lo fora para que possa catá-los pelos cantos, há uma grande tardança. Já senti o cheiro de café fresco vindo da janela mal lavada do vizinho e lembrei-me de você durante vários dias. Nunca entendi essa sua adoração por café, nem porque muita gente tem hora marcada para tomar, e muito menos essa minha demora a escrever algo. Tal atraso contado em 57 cheiros de café em fins de tarde.
Ainda acho que não é a hora de escrever-te. Os sons da marmoraria ao lado perturbam-me e a inspiração ainda está se arrastando para aparecer. As palavras que se repetem por aqui me irritam, mas ainda assim satisfazem. Acho que endereço essa carta a pessoa errada, mas tudo bem, provavelmente você compreenderá. Pois que tomemos outro rumo agora.
Sabes que ontem, repicando a bagunça de minha estante, achei agendas de até nove anos atrás? Minha escrita era fina e arruaça, como a de qualquer criança que acaba de entrar no ensino fundamental. A mais antiga agenda ainda possui o mesmo cheiro de perfume de bebê com uma essência floral de quando me foi entregue, e há uma singela dedicatória de minha mãe no verso da capa. A maioria das páginas estão arrancadas, mas há alguma em que relato dias sem preocupações e a repercussão de mais uma novelinha infantil da qual não deixava de assistir um capítulo. Há um diário, do qual é minha rede de anotações antigas preferida, em que relato quase que diariamente meus devaneios. Em sua última página, há uma dedicatória minha para o próprio diário, em que o declaro meu maior amigo, dito como um anjo que me acompanha, e o agradeço por tal companhia. Aos 10 anos, vá lá, eu realmente não tinha muitos amigos, e foi naquele pequenino e cor-de-rosa diário que percebi o quanto escrever me ajudava. Então declarei-o meu maior amigo, pois na minha mente ele conseguia até  me alegrar, coisa que só garotinhas de 10 anos que pensavam como eu poderiam explicar, o que penso que hoje, ou até naquela época, não existiam. Na verdade, acho que nunca existiram garotinhas que pensavam como eu. Bom pra elas, melhor pra mim.
O que minha cabeça de 10 anos pensava, hoje nessas palavras faz mais sentido. Não era o diário que era meu maior amigo, nem ele que me alegrava. Escrever fazia isso por mim. Despejar tudo em palavras sempre fora para mim uma solução agradável. Não incomodava ninguém, e naqueles papeis coloridos que ficavam escondidos debaixo da cama todas essas palavras eram gravadas e aliviadas rapidamente, fazendo-me sentir melhor. Esse alívio, muitas vezes, acontecia em tardes frias, no quarto bagunçado e com o cheiro de café vindo da janela mal lavada do vizinho... Não que isso tenha me lembrado do diário, como dito no começo desta carta, mas a introdução que fora endereçada a outra pessoa coincidentemente faz alusão aos meus dias de escrita boba e acolhedora.
Percebo por fim que nunca havia escrito uma folha de despedida para meu antigo maior amigo.  Digo antigo pois sim, esta carta é endereçada ao atual, apesar de meus escritos agora serem para o antigo. Perdoe-me pela confusão. Voltando então, perdoe-me mais uma vez pela demora, meu (antigo) maior amigo. Acho que enfim é a hora de dizer-te adeus. Agradeço-te por toda a companhia, tu és de fato algo eternamente valioso pra mim. O que seria da menininha de 10 anos de não fosse a tua companhia? Agradeço-te por ter-me mostrado esse mundo de palavras que é tão reconfortante.
Um último muito obrigada,
Da garotinha de 10 anos que pensava (logo, escrevia) demais.

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