segunda-feira, 12 de março de 2018

um motivo


Querido Mauro Vinicius,
Não vou endereçar essa carta diretamente a ti, na esperança que os ventos dos rumores se encarreguem de deixá-la na sua porta. Já faz alguns meses desde o nosso rompimento, mas ainda há alguns fantasmas de nosso relacionamento que se corrompem comigo. Falo da opinião alheia: aquela que nos perseguiu em todas as fases do nosso amor.
Não sei se você se recorda de um início onde evitávamos o afago das mãos em qualquer ambiente. Quando os dedos finalmente se permitiam aproximação, chegava a ser eletrizante. Costumávamos escolher lugares distantes para nossos encontros – assim nos sentíamos um pouco mais livres e ainda tínhamos o adicional de explorar a cidade. Ainda assim, o receio do olhar do outro se mantinha constante: esmagava nosso afeto, cobria de penumbra nossa troca de olhares, implodia nossos beijos espontâneos.
Lembro-me de uma fase em que realmente nos sentíamos livres. Em que eu sorria o seu sorriso e dividíamos miojo sentados na grama de um festival musical de público grande. Em que você não se importava de disfarçar o seu olhar apaixonado ao me fotografar. Em que era uma verdadeira leveza poder sentir o contorno do seu rosto enquanto a gente se enamorava.
Porém, apesar disso tudo, o outro ainda ali se encontrava. Estava na nossa alegria ao recitarmos as músicas românticas dos shows, que era cortada por comentários inoportunos ao fundo. Estava no fitar demorado de desprezo enquanto a gente simplesmente caminhava. E por fim, o golpe fatal de nossa relação: ele estava enraizado profundamente em meu coração. Ele estava sempre lá, aguardando quaisquer indícios de confusão ou baixa de autoestima para florescer. Estava lá aguardando pacientemente o ambiente torna-se nutritivo para a sua seleção. E obviamente as conturbações vieram.
Ficamos doentes: não vejo culpa em nenhum de nós por isso. Foi algo acima de nosso controle e precisávamos entender e aceitar. Mas, para além disso, aquela raiz instaurada só fazia crescer e crescer. Se você fechar os olhos, consegue imaginar seus ramos crescendo e se engalfinhando entre meus sentimentos e sensações, de forma a deixá-los presos. Aprisionados. Reprimidos. Tudo se tornara tão turvo que aquelas sensações antes eletrizantes foram substituídas por algo doloroso: como se a intenção de existir e resistir as sufocasse entre os ramos já tão apertados, até seu sangramento. É esse líquido que corre em mim feito veneno me entorpecendo todos os dias.
Sei que nosso afastamento foi muito necessário para que melhoremos, mas escrevo essa carta porque entreouvi por aí que você acredita que já não te gosto mais. Escutei as pessoas destilarem opiniões sobre como eu me sinto... Ah, Mauro Vinicius. Você não imagina o quanto isso me dói. É a energia cinética necessária para catalizar a ação desse veneno que só me corrói dia após dia.  Você sabe mais do que ninguém que nunca foi minha escolha parar de gostar de você, e que essa nunca foi a razão pela qual não conversamos mais. Ainda te amo demais, mas essas raízes conseguem me afogar de topor a ponto de serem mais dolorosas do que nosso amor poderia aguentar. Eu espero que você esteja bem e seguindo cada vez mais nesse propósito de melhorar. Só desejo que você não permita que digam por aí que não sofro com todo esse desenrolar...
Ainda é seu esse coração,
Rodolfo.

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